domingo, 15 de abril de 2012

Gangrena

Não é mais minha. Sei bem.
Não repita.

Mas ainda o é, por uma espécie de apego.
Um buraco é.
Um sentimento de incapacidade absurdo.

É mais nada.
Mas ainda machuca
essa perna gangrenada,
que vai ficar incomodando por um bom tempo.
Como se ainda existisse, e fosse minha.

E no começo vai ser assim mesmo.
Ela coça. Eu coço. Ando eu, e tropeço.
Não tem mais perna.

Tenho medo de ficar só.
... de ficar sem ela. Confesso.
Como será? Como serão os dias?
Pra onde caminhar, sem perna?

Os eu´s, que não sou mais.
Tornarei a sê-los?
Recuperar um pouco de mim, que se perdeu nela, que se perdeu no outro.
Quanto do que sou era ela?

Não tenho que deixar nada claro com 32 palavras.
Era minha perna! Isso basta para criar um caso.
Não venham me exaurir as forças!
Deixem-me!
Chorando a noite toda.

Minha Perna se vai.
Que dor!

Ainda não fiz planos para viver assim.
Não sei como, mas sei que vou.
Foi bom tê-la.
E sem ela, não teria encontrado um sem número de lugares imaginários.
Não a teria levado também, para novos mundos.
Obrigada, Perna! 

Melhor lembrar da perna boa, quando saudável e andante.
Perna-dançante.
Agora ainda te expio e ainda me expia a dor da sua perda.
Já não era amor, Perna. Era já gangrena.

Arranque-me isso logo de uma vez!

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