domingo, 13 de junho de 2010

Estava lá um carequinha no alto de uma montanha. Aparentava uns 12 ou 13 anos pelo tamanho e proporção do corpo. Pequeno.
Trajava, à moda antiga, calças de um pano piliquento até os joelhos e suspensórios, ambos marrons, mas em diferentes tons. 
Eu sabia que o menino se chamava Milikan. Além da pouca idade aparentava ser uma mistura de Buda com um garoto comum do século XIX. Talvez um Oliver Twist sem cabelos.
Carregava, presa à testa por uma espécie de cinto, uma geringonça metálica. De cada lado da cabeça pendiam dois tubos de ensaio, tão grandes ou maiores que o crânio do garoto.  Formavam um tipo de sistema elétrico com o ânodo e o cátodo. Em cada um dos tubos encontravam-se líquidos borbulhantes e pouco viscosos de polaridades diferentes.

Em torno dele um grande número de pessoas se posicionava, como num rito ou algo parecido. Não consigo definir o tempo dessas pessoas, mas eram todas antigas. Tão antigas quanto o próprio tempo o era naquele lugar. Pelo que podia avistar, faziam experimentos, como todos em sua época. Tratava-se de uma espécie de disputa científica. Parecia-me algo bastante arcaico. Intentavam todos os participantes, criar uma espécie de lâmpada elétrica. Aquele era o local em que se realizava a tentativa do Buda Twist, o alto de uma montanha árida e cheia de pedras.

Alguma coisa aconteceu. Uma explosão! O menino caiu pra trás num tombo em pirueta. Compelido com as pernas que se cruzavam ar, bateu desacordado no chão. De repente não mais eu o avistava no alto da montanha. Eu era ele e via tudo o que ele via. Não havia conflitos de pensamentos entre nós; não disputávamos uma só mente. Nós éramos o mesmo. Era como se eu sempre tivesse sido ele, o careca.

O experimento sucedera vitorioso. A explosão havia criado uma lâmpada que  não era, de modo algum, comum nesse ou naquele mundo. (Se é que são eles diferentes.) Senti uma vontade enorme de descer a montanha e, embora ainda não soubesse o que era aquela lâmpada sentia que ela tinha poderes. Tomada pela atitude e só por ela, resolvi descer do mais alto ao mais baixo. Eu o fazia levitando! Abaixo dos meus pés, escadas, mas eu passava a meio metro acima delas. 


Acompanhava-me uma dama indiana, que também descia levitando. Sabia perfeitamente quem ela era, mas o que me resta dela agora é a impressão mágica e misteriosa. Comunicamo-nos em pensamento. Parecia-me que eram eles uma substância diferente de toda a palavra. Fluida, leve e impossível de definir de maneira compreensível. Eu primeiro soube, mas a lâmpada tornava floridos os campos. Ela promovia uma espécie de higiene energética dos ambientes conforme passávamos por eles. Isso contou-me, em silêncio, a dama indiana. Quase instantaneamente mirei a montanha para constatar que atrás de mim toda ela se ia colorindo com flores amarelas. As escadas pelas quais passava a mais de meio metro de distância iam-se tornando invisivelmente limpas!

Avistava lá de cima, do alto da montanha e enquanto a descia, a imensidão do mar. Azul. Contrastava vivamente com o amarelo das flores que iam surgindo por trás das minhas costas e com a aridez das pedras de toda a montanha. O sol morno e aconchegante fazia sombra no mar e realçava-lhe o brilho azul.  A vista e o silêncio encheram-me de uma paz e um deleite que só experimentara quando em sonhos nos quais explorei todo o sistema solar. 

Uma vontade inquietou-me. Queria, o mais rápido possível, alcançar o mar e contemplar de dentro dele todo o azul. Uma vontade de fundir-me com aquela cor. Ao atingir as águas constatei que eram geladas e que havia uma espécie de monstro ali. Senti-o por entre as minhas pernas, mas não o avistava. Sabia que ele era marrom. Não me causou ele nenhum mal.

Estive dentro do mar, e mesmo que houvesse nele um monstro, toda aquela situação me causava enorme felicidade. Atingi alguma margem bem no meio do mar. Ela surgira como que por uma necessidade de escapar às águas. O monstro me seguia, mas parecia pacífico. A dama indiana também estava lá. Não tenho dela lembranças visuais nesse momento, mas sim,  as de sua presença. 


Não mirei mais as montanhas. Deviam estar cobertas pelo amarelo. Um amarelo suave e doce que me encheria o coração. Não me lembro da lâmpada e no tempo que estive imersa acredito que tenha se perdido. Já era eu outra ou outro e do resto não tenho más recordações.

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