quarta-feira, 9 de outubro de 2013

cento e cinquenta dias


ontem
fim da tarde
vão do Masp
encontrei Olívio, o poeta

ali, como quem não quer nada
como se não fosse, queria um troco
em troca de versos impressos em um livreto

eu gosto de rimas, Olívio
mas pra onde me levariam suas palavras?
cerrado o seu livro está para mim
não tenho como trocá-lo ou tocá-lo
consubstanciá-lo naquilo que precisa
estender e entender sua existência

no vão do Masp
vi ali Olívio
que ninguém mais via
e que só se ouvia
fazendo público apelo
despido de pudor
o escambo: dinheiro por versos

quem, Olívio
no fim do dia
- cansado, torto, cheio de súplica e sem razão -
quer comprar poesia?

Olívio,
fico imaginando como - tanto sentimento que temos -
se vive de olhares
que só se trocam por outros

quem vive deles, Olívio?
convive com eles
quem se alimenta deles
no vão do Masp, às terças
ou na Liberdade, aos domingos
quem come aquilo que sente?

obrigada por me olhar
obrigada por me tocar
por não querer me vender
por não querer se vender

naqueles instantes vivi eu
redescobrindo, aquém desse desânimo que me consome
o que tem dentro de nós
e o que tem, afinal
não importa
mas sim, quando se reconhece

temendo o fim da eternidade do momento
fugi em pensamentos
e com as pernas em meus próximos passos
sorri para quem quer que me cruzasse o caminho
nas calçadas atravessadas
busquei olhares naqueles transeuntes

quem são eles, Olívio?
você que tenta desmistificá-los
gente cheia de prosa
onde estavam quando estivemos chorando suas lágrimas?
desprezam-nos em nossas profundezas
em outro museu com seu vão

com o mundo dentro do peito
eu estava pronta pra me reerguer
obrigada, Olívio
depois de cento e cinquenta dias no inferno da transparência
finalmente vi alguém

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